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O Barbeiro de Cedilha

A barba na óptica do utilizador

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Aristide Maillol e Gaston Colin

na óptica do utilizador, 04.05.23

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Recordemos hoje Aristide Maillol, pintor, gravador e escultor francês (1861-1944) sem esquecer aqueles que sempre ficaram por nomear após obra feita, os modelos.

Maillol dedica-se à escultura por volta dos quarenta anos. Provando que nunca é tarde para se começar.

A sua obra, silenciosa, baseada em formas plenas, desenvolvida a partir do estudo do nu feminino ou masculino e simplificada ao ponto da pureza, representa uma verdadeira revolução artística, antecipando a abstracção.

Em 1903 muda-se para Marly-le-Roi e é o conde Harry Kessler, colecionador alemão, que será o seu patrono ao longo da carreira do escultor. A partir daqui, esculpirá apenas nus masculinos, incluindo o do "ciclista" em 1907.

O modelo do "ciclista" chama-se Gaston Colin, que respeitará sem hesitar as poses solicitadas pelo artista.

O conde Harry Kessler mantinha um diário e é nas páginas do ano de 1907 que relata as suas frequentes visitas ao artista enquanto conduzia o seu "ciclista", ao mesmo tempo, o conde capta inúmeras imagens do artista em plena criação e do modelo que emprestou sua nudez à escultura e ao olhar do fotógrafo.

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Do diário do Conde Harry Kessler, em tradção livre:

Paris, 16 de julho de 1907, terça-feira

A tarde em Marly em Maillol, para vê-lo trabalhar na minha estátua do pequeno Colin. Quando modela, parece tocar e aplicar a argila com muito mais delicadeza e ternura do que Rodin, é como se acariciasse as formas com os dedos. No estúdio, fotografei o pequeno Colin, a estátua e o Maillol.

Paris, 20 de julho de 1907, sábado

Novamente em Maillol, enquanto trabalhava no jovem. Disse-lhe  que estava interessado em vê-lo trabalhar. "E, no entanto, não ajo de maneira inteligente enquanto trabalho", respondeu ele, "trabalho estupidamente...como um burro." Os outros, Bourdelle por exemplo, fazem grandes gestos, etc., e ele imitou Bourdelle. Diz que Rodin também trabalha "estupidamente", como ele, "copia pacientemente a natureza".

 
Paris, 23 de julho de 1907, terça-feira
 
Novamente em Maillol, onde tirei fotos. Disse-lhe que ainda temia que acontecesse com o meu jovem no chão a mesma coisa que com o busto de Renoir, que uma peça caísse e se perdesse. Maillol respondeu que não importava, que poderia facilmente remodelar qualquer pedaço, que era fácil remodelar um braço, uma perna. “Qualquer um pode fazer a música. 

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No caminho para a estação onde Maillol me levou para casa, passamos por um grupo de meninas da aldeia em vestidos leves. Maillol olhou para elas e disse: “É isto que gostaria de fazer. Gostaria de dar a sensação que uma jovem no exterior, ao ar livre ( pronuncia: u-ne jû-ne fil-le). Mas talvez não seja com formas que possamos dar essa sensação, e sim com manchas... Rodin é quem poderia ter feito isso melhor, mas tal nunca o interessou. Foi talvez Renoir quem mais se aproximou do que eu gostaria de fazer, Renoir, em certas peças de nus. Disse-lhe que o seu nu me parecia, porém, ainda mais ingênuo, mais paradisíaco que o de Renoir, que Renoir ainda estava dentro de nossa civilização, enquanto ele, Maillol, estava além dela. Maillol: "Não é que eu me revolte, mas é tão irritante a nossa civilização, que não podemos entrar nela. Noutro tempo, a escultura tinha lugar, o escultor sabia para o que trabalhava. Mas eu, para onde irão todas as minhas estátuas? »

Por volta das seis horas, levei os Maillol de carro comigo para Saint-Cloud, o pequeno Colin seguiu-nos na sua bicicleta. Jantamos no Blue Pavilion. Maillol com o seu grosseiro fato de lã com grande xadrez castanho e amarelos que o fazem parecer um camponês rico, Madame Maillol, monumentalmente arreada com um vestido claro de meia gola. Uma sopa muito picante que a incomodou, fazendo-a tossir, até que insinuei que ninguém era obrigado a terminar a sopa. Maillol estava como sempre muito seguro. Pediu-me para lembrar Rodin da sua promessa, vir visitá-lo a Marly. Gostaria muito de ouvir o que ele diria do jovem. Como quase sempre, desatou a falar da arte de Rodin: “Ele é um pintor. O que ele faz é pintar. Existem apenas reflexos, vemos apenas reflexos, procuramos a forma, não a encontramos. E no entanto está aí, muito preciso, mas o que vemos são apenas reflexos... Sim, encontrou a luz, mas o que eu gostaria é de pôr algo nela, nesta luz, gostaria de fazer algo luminoso, onde as formas seriam, no entanto, bem definidas.»

Dei como exemplo sua filhinha ao sol. "Sim, essa é a coisa mais brilhante que fiz até agora. Mas poderíamos ir mais longe. É absolutamente necessário que eu faça uma estátua que represente isso, uma estátua de uma mulher em homenagem à pequena empregada que está em minha casa, um estudo muito rigoroso da vida. Sinto que estou a chegar à plenitude. Não me sei explicar, mas sinto uma força dentro de mim que me impulsiona. O que eu faço, faço com facilidade, não me cansa. Vejo os outros esgotados no trabalho., mas eu trabalho sem me cansar. »

Em seguida, conversamos sobre os egípcios e os gregos. Disse-lhe que os gregos estavam mais próximos de mim, "porque encontraram voluptuosidade: eles eram amantes". Maillol: “Talvez você não seja um escultor. Os egípcios colocavam em tudo o que faziam o espírito religioso, que é ainda mais elevado do que o amor, diga-se de passagem. Os gregos permanecem humanos. Gostaria de colocar algo sério no meu nu. Poderia facilmente imitar Renoir na escultura, creio, mas me contenho, não me quero deixar escorregar, porque acho que na arte a voluptuosidade deve mesmo assim manter algo de sério que não se torna voluptuoso »

Disse-lhe que suas coisas eram muito gregas em espírito. "Sim, é verdade, ainda acredito que sou grego. Encontramos perto de nossa casa as ruínas de uma grande cidade grega, Emporion. Acho que talvez o meu sangue tenha vindo de lá. Sobre Rodin, acrescentou: “A verdade é que as coisas dele não vão bem. Temos que olhar bem de perto para ver o que existe dentro das obras e aí ficamos maravilhados, mas de longe não parecem boas. Sobre a posição de Rodin em relação à natureza e aos gregos: “Quando ele mostra em casa esse torso de um homem antigo que tu conheces, Rodin sempre dá um sapatadinha na barriga dizendo: ‘Sentimos que há invólucros’. Então digo a mim mesmo: “Sim, nós sentimos, mas não os vemos: isso é arte grega”. Mas Rodin e todas as pessoas de seu tempo querem que vejamos as entranhas.»

 

Paris, 27 de julho de 1907, sábado

Em Marley. Trouxe a Maillol algumas das fotografias que mostram o pequeno Colin nu ao lado de sua estátua. Maillol examinou-as com muito cuidado uma após outra antes de dizer: “Podemos ver claramente a diferença, somos sempre menos redondos que a natureza. Pensamos que também somos redondos e é tudo sempre menos redondo.»

Pegou uma das fotos e começou a corrigir a partir da imagem, sem olhar para o pequeno Colin, que estava ao seu lado, nu. Então voltou a trabalhar no modelo. “É difícil, muito difícil: ele contorce-se o tempo todo. Cada momento é diferente. Olhe para isto (a boca do estômago e as costelas): agora há isto e num momento tudo muda, não há nada. Temos que olhar de perto, como Rodin, para fazer alguma coisa.»

Parecia nervoso, talvez por causa de uma atmosfera pesada e tempestuosa que reinou o dia todo e dessa vida que lhe serve de modelo. Falou de uma fotografia que viu de um relevo de Meunier: “São braços, torsos, é lindo, é incrível, mas não sabemos se são pedaços de homens ou de árvores ou de montanhas. Era isso que eles procuravam, a peça, mas onde diabos viram tudo isso? na selva? Olha (mostrando o pequeno Colin), não tem nada, tá tudo liso. Então pediu-me para tirar mais algumas fotos do jovem Colin, que estava a fazer uma série de poses aleatórias.

Paris, 30 de julho de 1907, terça-feira

Maillol está a trabalhar na estátua do pequeno Colin. "Olhe aqui", disse-me apontando para o lado esquerdo do peito do jovem, "parece um músculo enorme e quando você olha de perto, não consegue ver nada. A natureza faz estes efeitos com nada e os escultores apenas seguram uma grande bola de terra na mão! Não é nada. Mas leva muito tempo a descobrir. Os gregos sabiam como fazer isso.

É fascinante a obra o “ciclista” cujo desenho pode ser admirado graças a estas soberbas fotografias tiradas na oficina cuja atmosfera se adivinha graças ao diário do Conde Harry Kessler.

Beleza do trabalho, beleza do modelo cuja naturalidade é marcante. Quantos dias passou na oficina, nu, sentindo o olhar do mestre a esquadrinhar-lhe o corpo? Sentir o olho do fotógrafo a congelar-lhe os movimentos controlados pelo escultor?

Paris, 25 de julho de 1907, quinta-feira

Maillol, sobre a estátua do jovem: “É um estudo da vida. É muito divertido de fazer, só que é lento... é lento. Costuma-se dizer que os gregos eram mais conhecedores de anatomia do que Michelangelo . Acho que não. Apenas observaram e fizeram o que viram. Michelangelo conhece todos os músculos de cor, conhece-os, conhece-os… inventa-os! Às vezes, ao ver um pedaço de carne, dizemos ou pensamos: que lindo! Isto é o que eu gostaria de fazer, para causar esta impressão. »

Maillol voltou à necessidade de adaptar a obra de arte ao seu ambiente: "Quando se coloca uma estátua num jardim, a estátua deve ser tão bonita quanto as árvores... e as árvores tão bonitas quanto a estátua. Quando uma estátua é bela, todas as árvores ao seu redor ficam belas. Mas em Versalhes há estátuas ao lado das quais as árvores se tornam monstruosas." Conversamos sobre o nu masculino e feminino. “Vou esculpirsó homem, é muito mais fácil. Num homem há sempre algo, um músculo, que podemos alcançar. As mulheres não dão nada, não revelam formas, temos que inventar tudo, menos quando são muito bem feitas e evidentes. As mulheres são raras.»

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