Verdes são os campos

"Elogio Nancy Pelosi. Ela teve uma carreira incrível no seu partido."
Esta é certamente uma reacção razoável e talvez até entediante à aposentação de Pelosi, uma das presidentes da Câmara mais influentes da história. No entanto, a fonte da citação não é, nem razoável, nem entediante. É surpreendente.
A pessoa que elogiou Pelosi ao vivo na CNN foi a extremista MAGA Marjorie Taylor Greene.
Desde sua eleição, em 2020, Greene foi construindo uma reputação de fervorosa e fanática seguidora MAGA, imersa em teorias da conspiração, ódio e culto a Trump. Nos últimos meses, porém, moveu-se abruptamente para o centro, tornando-se uma das críticas republicanas mais confiáveis da liderança da Câmara e de Trump.
Isso levanta algumas questões óbvias.

Quando alguém que tem defendido boas políticas (como, por exemplo, John Fetterman) começa a passar o tempo namoriscando Lara Trump, é desorientador. Mas fica ainda mais difícil de compreender quando a pessoa que alertou o país relativamente aos “lasers espaciais judeus” começa a fazer críticas contundentes à administração. Ler mentes é difícil e ler a mente de Greene é um caso especialmente desafiador. As suas motivações provavelmente são múltiplas e podem ser opacas até para ela mesma. Mas a sua inclinação súbita à esquerda sugere que pelo menos um político que surfou a onda MAGA acredita que a sua força não é mais a que já foi. Seria impossível, ou ao mesmo insuportável, narrar cada mentira maldosa e feia que Greene perpetrou ou apoiou na sua carreira como influenciadora de extrema direita e congressista. Ainda assim, vale a pena passar pelos maiores episódios para estabelecer o quão profunda era a sua loucura antes desses recentes elogios a Pelosi.
Greene tem sido uma entusiasta defensora de uma série desconcertante de teorias da conspiração. Antes de assumir o cargo, impulsionou a teoria da “Pizzagate,” a acusação falsa e maldosa de que líderes democratas estavam a dirigir uma rede de tráfico humano e de pedofilia, ao mesmo tempo que abraçava conspirações relacionadas com a QAnon.

Num anúncio da sua primeira candidatura ao Congresso, que foi removido do Facebook, empunhou uma espingarda e ameaçou manifestantes “antifa.” Referiu-se às eleições de mulheres muçulmanas para o Congresso como “uma invasão islâmica do nosso governo.” Fez publicações nas redes sociais sugerindo que o horrível tiroteio da escola de Parkland, Flórida, em 2018, foi uma operação de falsa bandeira, e sugeriu que a presidente da Câmara Pelosi (a mesma que elogiou recentemente!) era “culpada de traição… um crime punível com a morte.”
Após a eleição, Greene continuou com a sua postura. Claro que estava totalmente alinhada com as teorias da conspiração relativas à eleição de Trump e apoiou a tentativa de golpe e a insurreição de 6 de janeiro, afirmando que os invasores eram membros do antifa, mesmo sabendo que um amigo próximo e seu aliado estivesse entre os que invadiram o Capitólio. Recusou-se a usar máscara durante o isolamento e os seus comentários passados em apoio à violência contra democratas, levaram-na a ser retirada das comissões em 2021 (que foram restauradas em 2023 após os republicanos retomarem a Câmara). Greene repetidamente usou pronomes errados para representantes e colegas trans e mentiu dizendo que eram abusadores de crianças. Em 2022, atacou a Igreja Católica pelo seu apoio a imigrantes e afirmou que a instituição era controlada por Satanás. Talvez a patetice mais icónica de Greene seja a alegação em 2018 de que os incêndios florestais na Califórnia eram causados por lasers disparados de satélites controlados pela família Rothschild.
Greene renunciou a esses comentários, mas em outubro de 2024 (há cerca de um ano) sugeriu que o governo, sob o presidente Biden, estava a controlar o clima, atingindo a Flórida com um furacão perigoso.

A história de mentiras e retórica violenta de Greene é extensa. Começou antes de assumir o lugar no Congresso e continuou a ser uma teórica da conspiração e uma fomentadora de ódio bem documentada.
Nos últimos meses, Greene diminuiu o ódio e começou a soar, nas palavras do líder democrata Hakeem Jeffries, “surpreendentemente esclarecida.”
A ruptura entre Greene e o presidente parece ter começado com o amigo de Trump e condenado por abuso sexual infantil Jeffrey Epstein. Epstein tem sido foco das teorias QAnon (em parte' porque também era amigo de figuras democratas como Bill Clinton e Bill Gates). Trump inicialmente prometeu libertar os arquivos associados ao caso Epstein, mas voltou atrás no Verão, provavelmente por saber que o seu nome aparecia neles.
A controvérsia dividiu o MAGA e deu a alguns uma saída para se distanciar do presidente. Greene aproveitou a oportunidade. Em setembro, foi uma das poucas republicanas a assinar uma petição para forçar uma votação na Câmara para tornar públicos os arquivos de Epstein. Greene também rompeu com os republicanos em várias outras questões. Criticou Trump por não fazer mais para acabar com a fome na Faixa de Gaza e caracterizou a devastação israelita em Gaza como genocídio (uma reversão notável e bem-vinda, considerando sua anterior islamofobia virulenta).
Greene tem sido ainda mais contundente na sua insatisfação com o presidente da Câmara Mike Johnson, sobretudo pela sua decisão de fechar a Câmara em vez de empossar a deputada eleita Adelita Grijalva, que daria o voto decisivo para aprovar a resolução sobre os arquivos Epstein.
Em Outubro, Greene alinhou-se com os democratas ao apoiar a extensão dos créditos fiscais do ACA (a questão central do actual encerramento do governo). Insistiu, com razão, que sem esses créditos “os prémios de seguro para 2026 iriam DOBRAR”.

Em recentes aparições na comunicação social, Greene admitiu que a liderança republicana não tem um plano de saúde para substituir o ACA. Isso é verdade, mas enfraquece as alegações do Partido Republicano de que resolverá o problema do seguro de saúde assim que os democratas aprovarem o orçamento.
Aaron Rupar relatou que, na semana passada, Greene contradisse a afirmação de Trump de que os preços dos alimentos estão a cair.
“Eu mesma vou ao supermercado”, disse ela à CNN. “Os preços dos alimentos continuam altos. Os preços da energia estão altos. As minhas contas de electricidade são mais altas aqui no meu apartamento em Washington D.C., e também são mais altas na minha casa em Rome, Geórgia. Mais altas do que há um ano.”
Greene, no entanto, continua a ser uma figura complexa. Como que para provar que ainda é, em essência, uma conspiracionista, disse educadamente a Wolf Blitzer, durante a sua mais recente aparição na CNN, que continua “contra” as vacinas contra a covid “porque conheço muitas pessoas que tiveram lesões relacionadas com a vacina.”
Embora ninguém saiba ao certo quais são as intenções de Greene, há duas teorias predominantes: vingança e estratégia.
A deputada Alexandria Ocasio-Cortez defendeu a teoria da vingança na semana passada, numa transmissão ao vivo no Instagram.
“Marjorie Taylor Greene queria concorrer ao Senado na Geórgia”, disse Ocasio-Cortez. “Trump disse não e desde então ela anda a galgar uma onda de vingança.”
Greene também poderia ter esperado um cargo na administração, um posto que obviamente não lhe foi oferecido, já que continua no Congresso (Embora, como o extremista MAGA Matt Gaetz, talvez tivesse dificuldade em ser confirmada.)
A outra teoria predominante é que Greene deseja tentar alcançar um cargo mais alto. O site NOTUS informou no início desta semana que Marjorie Taylor Greene está a pensar concorrer à presidência em 2028, citando uma fonte segundo a qual Greene acredita ser a “verdadeira MAGA” e que os outros já se desviaram.
Declarou também que não quer se candidatar ao Senado, pois é “onde as boas ideias vão para morrer” e disse ao NOTUS que não tem planos de concorrer à presidência. As suas negativas podem ser verdadeiras, ou pode simplesmente estar a mentir novamente.
De qualquer forma, as motivações exactas de Greene podem ser menos importantes do que o contexto em que elas se manifestam. Seja movida por ressentimento ou ambição (ou uma combinação de ambos), é claro que Greene acredita ser agora seguro, ou vantajoso, desafiar Trump e a liderança republicana de formas que antes não eram aceitáveis.
A aprovação do presidente baixou significativamente, o seu partido foi derrotado nas eleições fora de ciclo, Trump enfrentou uma série de derrotas constrangedoras e parece mais desconectado do que nunca. No início do ano, Trump parecia invencível. Agora, parece ter comprado um bilhete só de ida para a Sibéria eleitoral.


Greene provavelmente continua a ser a mesma mentirosa odiosa de sempre. No entanto, é agora uma mentirosa odiosa que acha que sua sorte política depende, em certa medida, de se afastar de Trump e de se aproximar do centro. Quer esteja a pensar na reeleição no seu distrito, quer numa candidatura a um cargo mais alto, é evidente que decidiu que lhe convém distanciar-se de velho adormecido e associar-se menos à islamofobia, à transfobia e ao preconceito (e mais às questões econômicas e de saúde pública).
Isto significa que o Partido Republicano está a despertar do seu delírio fascista? Parece improvável. Ainda assim, é significativo que até os que acreditam em lasers espaciais, como Greene, pareçam pressentir uma política pós-Trump.
É certo que uma presidência de Marjorie Taylor Greene seria um igual pesadelo, mas o facto de Marjorie Taylor Greene ache necessário ser “menos Marjorie Taylor Greene” para vencer é, em si, um sinal de esperança.














