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O Barbeiro de Cedilha

A barba na óptica do utilizador

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Os nabos

na óptica do utilizador, 31.07.24

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A RTP destacou dois jornalistas para a abertura dos Jogos Olímpicos 2024.

A transmissão da cerimónia foi sendo acompanhada pelos seus desgraçados comentários. Um dos profissionais brindou-nos com uma voz baixa, sem oscilações, cinzenta e sonolenta. Ninguém lhe prestou a mais pálida das atenções. Foi indiferente.

O segundo optou pelo tom de um relato de futebol e borrou a cerimónia quando Lady Gaga surge (em diferido, pois o vídeo tinha sido gravado horas antes) a cantar “Mon Truc en Plumes” e atribui a canção a Zizi Jean Marie.

Pobre Zizi Jeanmaire.

A Festa de Dionísio

na óptica do utilizador, 29.07.24

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Os Jogos Olímpicos de 2024 deram algumas das mais bonitas imagens e cartazes que a IA consegue produzir, mas originou também uma as mais tolas, puritanas e sobretudo bolorentas controvérsias e parolas deixas dos costumeiros beatos e beatas que rebentam por todos os cantos.

Na inteligente e poderosa Cerimónia de Abertura das Olimpíadas a apresentação das drag queens não foi uma sátira da pintura “A Última Ceia” de Leonardo, foi uma celebração do “Festa de Dionísio” de Jan van Bijlert (na Grécia Antiga eram a Dionísia Urbana, a Antestéria, a Lenaia e a Dionísia Rural, realizadas anualmente),  e é exactamente por isso o deus grego Dionísio estava presente, embora os americanos tivessem pensado que era um Smurf azul.

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Tudo corria bem até um prato de jantar ser levantado mostrando uma pessoa nua a cantar em francês, acompanhada por bailarinos e drag queens ao fundo. A apresentação recebeu críticas generalizadas na internet, forçando os organizadores das Olimpíadas a excluir o vídeo da cena.

A Conferência Episcopal de França descreve o momento como "escárnio e zombaria do Cristianismo" , afirmando que "deplora profundamente" a paródia do quadro "A Última Ceia", de Leonardo da Vinci, onde drag queens assumiram o papel de Jesus Cristo e os seus apóstolos, durante a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris.

O arcebispo Charles Scicluna, a mais alta autoridade católica em Malta e secretário adjunto do Dicastério para a Doutrina da Fé, disse que entrou em contacto com o embaixador da França em Malta para reclamar do "insulto gratuito".

Numa mensagem ao embaixador partilhada na rede social X, o arcebispo escreveu que "gostaria de expressar a minha angústia e grande decepção pelo insulto a nós, cristãos, durante a cerimónia de abertura (...) quando um grupo de artistas drag parodiou a Última Ceia de Jesus."

“Isto é uma loucura. Iniciar o evento substituindo Jesus e os discípulos na Última Ceia por drag queens?! Existem 2,4 bilhões de cristãos na terra e, aparentemente, as Olimpíadas quiseram declarar alto e bom som que todos estes cristãos: NÃO ERAM BEM-VINDOS”, gritou um usuário.

No entanto, a ideia por detrás desta tão maldita encenação era "fazer uma grande festa pagã relacionada com os deuses do Olimpo".

A conta oficial das Olimpíadas partilhou fotos da apresentação alegando que era uma interpretação das festividades em honra do deus grego Dionísio e Foi afirmado em simultâneo que o objectivo da apresentação era aumentar a tomada de consciência sobre a violência interpessoal. “A interpretação do deus grego Dionísio faz-nos perceber o absurdo da violência entre os seres humanos”, escreveram.

Um ponto alto desta controvérsia foi a inclusão de um indivíduo nu, retratado pelo artista francês Philippe Katerine. Dada as semelhanças do acto com 'A Última Ceia', este elemento foi percebido por muitos como uma representação desrespeitosa de Jesus Cristo. No entanto, segundo o director da cerimónia de abertura, Thomas Jolly, a figura representava o deus grego Dionísio.

“Há Dionísio que chega nesta mesa. Ele está lá porque é o deus da celebração na mitologia grega. A ideia era ter uma celebração pagã conectada aos deuses do Olimpo. Nunca encontrará em mim um desejo de zombar e denegrir ninguém”, disse ao TODAY.

No meio das alegações e teorias que circulavam sobre a controvérsia online, Anne Descamps, porta-voz das Olimpíadas de Paris 2024, tentou acalmar os ânimos apresentando um pedido de desculpas ao “beatedo” aflitinho.

“Claramente, nunca houve a intenção de mostrar desrespeito a qualquer grupo religioso. Pelo contrário, acredito que o (director artístico) Thomas Jolly, tentou celebrar a tolerância comunitária. Acreditamos que essa ambição foi alcançada. Se alguém se sentiu ofendido, estamos realmente arrependidos”, disse Anne Descamps, porta-voz de Paris 2024, numa conferência de imprensa.

Hugo Bardin, cuja personagem drag queen Paloma participou na encenação, ficou desapontado que a organização se tenha sentido obrigada a pedir desculpa. "Um pedido de desculpas significa reconhecer um erro, reconhecer que deliberadamente se fez algo para prejudicar, o que não foi o caso", disse Bardin. "O que incomoda as pessoas não é estarmos a reproduzir esta pintura", continuou Bardin, "o que incomoda as pessoas é que pessoas queer a estejam a reproduzir".

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E mesmo que fosse a “Última Ceia” de Leonardo o quadro inspirador das drag queens, qual seria a razão para que a representação fosse considerada uma ofensa e não uma homenagem?

Aparentemente estes bons cristãos indignados não sabem distinguir a sua própria religião da mitologia grega. 

A Canção de Seikilos

na óptica do utilizador, 06.11.23

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O epitáfio de Seikilos é a mais antiga composição musical completa sobrevivente, incluindo notação musical. A canção, cuja melodia está gravada, junto com a letra, em notação musical grega antiga, foi encontrada esculpida numa lápide do século I ou II dC (uma estela) da cidade helenística de Tralles, perto da atual Aydın, Turquia, perto Éfeso. Embora existam músicas mais antigas com notação (por exemplo, as canções hurritas), todas elas são fragmentárias; o epitáfio de Seikilos é único por ser uma composição completa.

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A inscrição está traduzida desta forma:

“Enquanto viveres, brilha, não tenhas tristeza alguma, a vida existe apenas por um curto período e o Tempo exige o que lhe é devido.

Sou uma lápide, uma imagem. Seikilos colocou-me aqui como um sinal duradouro de lembrança imortal.”

Podemos ouvir uma gravação aqui.

From Scotland With Love

na óptica do utilizador, 03.11.23

A criação de imagens com recurso à Inteligência Artificial é uma forma incrível de produzir trabalho original e aparentemente livre de “impostos”.

Não é fácil. É imprescindível saber com exatidão o que se pretende, dominar todas as ferramentas que temos ao dispor, possuir um acervo considerável de noções teóricas de fotografia e sobretudo saber fornecer aos algoritmos as diretrizes e rotas que queremos que sejam usadas para produzir o que realmente desejamos.

Sem dominar com segurança toda a panóplia de requisitos que a Inteligência Artificial aplicada à criação de imagens contém, o trabalho obtido é medíocre, embora seja tentando, perdendo e insistindo, que se torne provável consiguir qualquer coisa a valer a pena.

A série “From Scotland With Love” é já prova de grande perícia no manuseia das ferramentas disponibilizadas pelas aplicações/programas de Inteligência Artificial aplicada ao Design e à ilustração e que, quando queremos, deixam crescer barbas fenomenais.

Olaf - in memoriam

na óptica do utilizador, 12.10.23

self-portraits, in memoriam do fotógrafo holandê

autorretratos - in memoriam - Erwin Olaf (1959-2023)

O fotógrafo holandês Erwin Olaf morreu no dia 20 de Setembro deste ano, na cidade de Groningen.

Tinha 64 anos e sofria de enfisema pulmonar, detectado em 1996, não tendo resistido às complicações decorrentes da transplantação de um pulmão, realizada semanas antes.

Erwin Olaf é um artista internacional que Taco Dibbits, diretor do Rijksmuseum, classifica como “um dos fotógrafos mais importantes do último quartel do século XX”, detentor do International Color Awards e eleito Artista Holandês do Ano pela revista Kunstbeeld e com cerca de 500 obras adicionadas ao acervo da coleção do Rijksmuseum.

Nas derradeiras imagens de Olaf num acto público, vemo-lo com um sistema de inaladores para auxiliar a respiração. Foram obtidas em Março deste ano, no Palácio Noordeinde, em Haia, na cerimónia em que o Rei Willem-Alexander o condecorou com a Medalha de Honra das Artes e Ciências da Ordem da Casa de Orange. Aliás, em 2013, Olaf concebera o design de uma moeda de um euro com a imagem do rei, tendo também assinado, em 2018, um notável portfolio de retratos oficiais da família real holandesa.

Esta dimensão oficial do trabalho de Olaf talvez tenha contribuído para uma menor atenção às singularidades do seu universo fotográfico, incluindo os breves complementos filmados que ia registando, como aconteceu nas séries Separation (2003) ou Shangai (2017). Para além disto, Olaf foi rotulado como artista "militante", activista dos direitos LGBT, diluindo-se na "mensagem" a precisão com que nela encontramos uma questão fulcral da iconografia contemporânea.

A obra altamente diversificada gira em torno dos indivíduos marginalizados da sociedade, incluindo mulheres, pessoas de cor e a comunidade LGBTQ+, mas é paradigmático o seu tríptico de monumentais quadros fotográficos e cinematográficos retratando períodos de mudanças sísmicas nas principais cidades do mundo e os cidadãos abraçados e diferenciados pelo seu progresso urbano. Grande parte do seu trabalho é contextualizado pelas complexas relações raciais, pela devastação das divisões económicas e pelas complicações da sexualidade.

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Olaf não é um "purista" da imagem e nunca renegou as potencialidades criativas da manipulação (as distorções dos rostos na série Le Dernier Cri (2006), com destaque para o retrato de uma modelo, quase sósia da Princesa Diana, em "Royal Blood", de 2000, são exemplos disso) e a radical solidão dos fotografados, retratos teatrais e encenados, que tantas vezes remetem para Lucien Freud, sobretudo nos nus da série Skin Deep (2015).

Talvez os retratos de Olaf não sejam estranhos à uma herança multifacetada da pintura holandesa. Tal como aí, os os humanos retratados e os cenários em que se retratam existe uma espécie de tolerância e alheamento, tornando as personagens livres, mesmo até livres dos cenários.

“Para Olaf, tanto na contenção destas poses como na contundência dos nus, a fotografia existe, em última análise, como mensageira de um valor cada vez menos respeitado nas nossas sociedades viciadas em "comunicação". É um valor que se diz através de uma palavra ancestral: pudor.” Diz-nos ainda Taco Dibbits. 

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Erwin Olaf expôs em todo o mundo, incluindo no Centro de Arte Contemporáneo de Málaga, Málaga, Espanha; no Museu da Imagem e do Som, São Paulo, Brasil; no Martin-Gropius-Bau, Berlim, Alemanha; no Centro Sudeste de Arte Contemporânea, no Winston-Salem, Carolina do Norte, EUA e no Museu de Arte Contemporânea, Santiago do Chile. Na primavera de 2019, o trabalho de Olaf foi objecto de uma exposição dupla no Kunstmuseum de Haia e no Museu de Fotografia de Haia, de uma exposição individual no Centro de Fotografia de Xangai e de uma exposição no Rijkmuseum de Amsterdão. Em 2021, teve exposições individuais na Kunsthalle München, Alemanha e no Museu de Arte de Suwon, Suwon, Coreia.

O trabalho de Olaf está incluído em inúmeras colecções públicas e privadas, como o Rijksmuseum e o Museu Stedelijk, ambos em Amsterdão, Holanda; Fonds National d’Art Contemporain, Paris, França; Museu Ludwig, Colônia, Alemanha; Museum Voorlinden, Wassenaar, Holanda, Museu de Arte da Carolina do Norte, Raleigh, Estados Unidos; Colecção Art Progressive, Estados Unidos e Museu Pushkin, Moscovo, Rússia.